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IMERSÃO 2013

 

 1)  Quais perguntas e dúvidas  sua prática tem levantado nesse momento?

“Dúvida”: exatamente a palavra que utilizei,  em relação à minha prática atual, em uma entrevista para um catálogo de artes há cerca de dois meses. Não dúvida como “não  saber o que fazer”, mas  “duvidar dos modos desse fazer”. Ultimamente, apesar de estar interessado em afirmar minhas práticas multidisciplinares como práticas de dança ligadas a diferentes dispositivos, técnicas, tecnologias e linguagens, também me coloco  em estado de dúvida constante sobre as  mídias  da minha prática artística. As perguntas que geram as dúvidas da minha prática estão diretamente relacionadas  às  transformações entre os  diferentes modos de investigação, criação e reflexão os quais atravesso e habito, e os “veículos” desses processos. Qual a  mídia necessária/apropriada/importante/efetiva para este ou aquele processo de investigação, criação, apresentação e distribuição?
2)O que  você tem  feito? Como  tem  acontecido  sua rotina  de trabalho? 
Nos últimos meses (principalmente este ano) minha rotina de trabalho tem se afastado um pouco do treinamento corporal, indo em direção a uma prática de experimentações de diferentes materialidades [de corpos]. Tanto as rotinas de leituras, estudos e discussões, bem como as atividades ditas mais “práticas”, como composições de objetos, produção de imagens e gestualidades, direcionam minha rotina inconstante e variada para um lugar de experiência de transformação com materialidades de corpos reais, virtuais, imaginários e simbólicos.
3) Como você imagina gerar um ambiente de trabalho compartilhado nos dois dias que sucedem a apresentação de sua proposição cênica? 
Tenho tentado compreender  e guiar  a noção de compartilhamento e participação nos processos em que  venho  mergulhando, não de forma tão ficcionalmente horizontal e não-hierárquica,  como  se tem falado tanto (muitas vezes de forma alucinada) na arte de hoje, mas, de forma que o artista, a partir de suas intensões (com “S”), seja capaz de propor um  lugar comum  que, ao mesmo tempo, abra espaço para a tomada de partido e a troca de ferramentas, metodologias,  modos de operação  e sensibilidades com o outro, e não afaste o trabalho  de suas intenções (com “Ç”), de suas motivações centrais; o que provavelmente relaciona-se com a  dúvida.  Eu estou certo “do que  estou fazendo”, mas abro  espaço para que o outro compartilhe dessa intensidade e gere rupturas e desvios no 
processo imaginado/experimentado/criado/apresentado.

4)  A crítica  tem  feito parte das  suas rotinas de trabalho? Se sim, como isso acontece? Quais  as  ferramentas ou modos você  tem experimentado? 
A crítica não somente faz parte das minhas rotinas de trabalho, como minhas rotinas de trabalho consistem de uma crítica
constante ao próprio trabalho. Retorno à noção de dúvida porque ela marca também a possibilidade da crítica: uma incerteza que não admite o “primeiro”, o “automático”, o “natural” e/ou o “normal” como possibilidades inócuas para  um  processo criativo que visa às diferentes qualidades do “trans”.  Desta forma, experimento não apenas a crítica textual e/ou verbal, mas a atitude crítica frente ao trabalho, fazendo e refazendo processos sob diferentes perspectivas, a fim de disparar diferentes discursos, convites e instigações.
5)  Você considera que  as lógicas mercadológicas nas quais estamos inseridos operam nas configurações de seu trabalho?  De que maneira? 
Sim. O simples fato de, apesar de tentador, não ser apropriado nos considerarmos (os artistas envolvidos com políticas de
fomento à arte) “artistas independentes”, deixa claro  que não somente as lógicas de mercado, mas, mais amplamente, as lógicas econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas, etc., em escalas micro e/ou macroscópicas, tanto condicionam (não determinam) quanto operam (não são representadas) nas configurações de trabalho de grande parte dos artistas da contemporaneidade. No meu trabalho, especificamente, me interesso pela possibilidade de desenquadramento dessas lógicas, como atos que repensam formas e condições de pensamento, produção, apresentação e distribuição de matérias sensíveis, planos estes ligados diretamente à noção econômica.
6)  Quais as maiores dificuldades que você  identifica hoje no exercício da  sua profissão? Você  tem praticado  estratégias para lidar com elas? Se sim, quais? 
Inconstância. Apesar de compreender minha atual fase  de produção, na qual me atrelo profundamente aos editais,  como um “momento” que se desdobrará, num futuro próximo, em outros modos de operação como artista, a necessidade constante de se buscarem subsídios para “projetos” compromete bastante a assunção de um foco de trabalho pois, muitas vezes, sou obrigado a me dispersar em  diversos projetos, quando o fundamento do trabalho que estou desenvolvendo exige concentração e dedicação integral. O que tenho tentado praticar são ações multidisciplinares que me permitam habitar diversos contextos, sem necessariamente precisar desdobrar um trabalho em vários sub-projetos dispersos. Tenho me concentrado também em outros modos de produção auto-gestionáveis e colaborativos, o que, porém, não exclui a necessidade de procura por dinheiro.
7)  Escreva aqui, tudo junto e misturado, referências direta ou indiretamente ligadas a sua proposição cênica (inspirações, influências, interferências pontuais, etc...).
Não fazer arte que “faz” política, ser arte política. Nietzsche. Afirmar que o que se faz é dança. Libertar-se para ser um artista “desgavetado”. Peter Sloterdijk. Mitologia. Pirataria. Grupalidade. Isso não é libertação sexual, não seja  estúpido. Moral.  Joseph Campbell.  Eu, você e o outro. Morte. Máscara. Choque. Eterno. Eterno. Eterno é agora.  Norbert Elias. Unforgettable. Choque.  Michael Jackson.  Ser político não é tratar de “assuntos políticos”, é reformar os modos de acesso a tempos e espaços. Repetição. Antropotécnica. Dor no encontro com as forças do mundo. Motivo. Herói. Religião. Rito. Símbolo. Profanar é satisfatório? Niilismo. Coreologia. Arqueologia. Escavação.
8)  Se tiver mais  alguma coisa que você acha  importante dizer, diga. 
A proposição que pretendo apresentar faz parte de um projeto  no qual venho trabalhando há alguns meses e  que visa  à  criação cênica  coletiva. Portanto,  tenho  me interessado  em abrir os processos desse trabalho para diferentes grupos de artistas, a fim de levantar diversas frentes reflexivas, criativas e dramatúrgicas.
9) Se quiser, nos faça perguntas.
. Porque “festival”? Vocês dizem que o programa terá duração de 6 meses, nos quais os artistas convocados compartilharão de seus trabalhos com “os artistas da cidade”. Quem serão, nesses 6 meses,  “os” artistas da cidade?  Dançarinos,  atores,  artistas visuais, dramaturgos, poetas...? Amadores, profissionais, iniciantes, experientes...? Um grupo fixo ou grupos flutuantes? Como vocês chegarão a esses “artistas da cidade”, a fim de que eles tomem parte nessa iniciativa? Seleção? Convite? Inscrição? Contratação? Parceria? Como vocês pensam, metodologicamente, essa relação entre artistas convocados / programa CAUSA / artistas locais? (logicamente para além dos modos propostos pelos artistas convocados  –  neste caso, como programa de ação artística, como festival)



Bernardo Stumpf

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