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RESIDÊNCIA 2013

 

1)Quais perguntas e dúvidas sua prática tem levantado nesse momento?

Sinto-me em pausa, em necessidade de pausa, sem pensar muito nos caminhos a percorrer ou no que buscar. Sinto que não tenho sabido o que desejar e, essa ausência de desejo que me habita atualmente, de modo latente, tem impelido recolhimento. Talvez essa afirmação de ausência do desejo possa parecer demagógica, pois pode ser, que o desejo esteja implícito nas memórias, nas referências, nas plasmações. Será que mesmo Duchamp quando escolhia seus ready-mades por indiferença estética, era impelido por algum desejo?

Segunda-feira, dia 20 de maio, dia em que vim para o estúdio pesquisar solitária, vieram-me duas perguntas e vou considera-las significativas principalmente porque meu percurso mais recente está aliado à academia de arte. São elas: o que é ou pode ser um pesquisador em dança? O que é trabalhar com o corpo?

 

2)O que você tem feito? Como tem acontecido sua rotina de trabalho?

A escrita de projetos e inscrever-me em convocatória tem acontecido com alguma regularidade. Também escrevo para o site: ctrlaltdanca.com, e trabalho pelo mesmo site no projeto Conexão Cacilda, nova ocupação do teatro Cacilda Becker/RJ. Cuidamos da comunicação virtual da ocupação e por isso tiro fotos, filmo, entrevisto artistas, faço postagens no blog, crio a divulgação virtual, dentre outras funções técnicas. Tenho dado aulas particulares de consciência do corpo e do movimento e, há duas semanas que assumi a função de coordenadora assistente na Pós Graduação em Conscientização do Movimento e Jogos Corporais na FAV.    

Sobre criação: recentemente mudei-me para um sítio e considero essa nova experiência de moradia como um dado bem importante para os acontecimentos atuais de criação e eventuais acontecimentos futuros. Desconfio que este dado de habitação seja um disparador. Toda minha pesquisa de dissertação foi sobre a criação de um ateliê em quatro metros quadrados dentro de minha pequena casa localizada no bairro da Glória no Rio de Janeiro. O mestrado trouxe bem forte a experiência da escrita e, esta tomou proporções significativas em minha pesquisa artística, cultivando uma parceria entre texto e corporeidade.

 

4) A crítica tem feito parte das suas rotinas de trabalho? Se sim, como isso acontece? Quais as ferramentas ou modos você tem experimentado?

Sim, a crítica tem feito parte de minha rotina, e desde recentemente tenho assinado como “artista e também crítica”. Advenho de um recente percurso acadêmico, com duração de dois anos onde trabalhei a ferramenta da crítica constantemente. Nesse período fui crítica de meu próprio trabalho, estabelecendo relações de olhar de dentro ao mesmo tempo em que de fora. Vezes dentro, vezes fora, certa da impossibilidade de habitar apenas um dos extremos nessa pesquisa que autodenominava teórico-poética, candidatei-me em uma convocatória para estudantes de programas de pós-graduação, convidados a se posicionar criticamente diante dos trabalhos do encontro Curiôs. Desde então iniciei um processo de escrita crítica sobre trabalhos distantes de minha autoria como artista. 

 

5) Você considera que as lógicas mercadológicas nas quais estamos inseridos operam nas configurações de seu trabalho? De que maneira?

Sim, é claro, estamos no mundo, e num mundo econômico, portanto ele atua sobre nós de modo incisivo. Sobre as lógicas mercadológicas. Eu particularmente não teria o menor interesse em participar do mercado de trabalho de um modo geral, muito menos do mercado econômico de arte, seja local, estadual, federal ou mundial. Gostaria mesmo que o mecenato ainda estivesse em alta que apenas pudesse estar em casa, pesquisando minhas coisas por conta própria e levando-as a público eventualmente. Mas levando-se em conta que o mecenato abandonou sua frequência há séculos e séculos, parece indispensável se deparar com o mercado de arte, hoje manifestado nos grandes eventos (a incluir: bienais e festivais internacionais) nos editais, nas bolsas para artistas, nos processos colaborativos de residências, nos infinitos projetos.

De certa forma, trabalhar com arte, e isso quer dizer, assumir-se como artista tem sido lidar de modo direto com o sistema da arte, e aqui incluo: tradição de arte, mercado de arte, conceitos em alta no momento, reverberações e uma infinidade de coisas mais. Mais lúcidos ou menos lúcidos sobre essas atuações estamos todos inseridos nelas.

 

6) Quais as maiores dificuldades que você identifica hoje no exercício da sua profissão? Você tem praticado estratégias para lidar com elas? Se sim, quais?

Primeiro identifico dificuldades de formação como artista. Talvez desejasse participar como auxiliar de um ateliê de um grande artista renascentista ou barroco, onde estivesse por anos em formação até que fosse capaz de realizar minha primeira obra: obra prima. Gostaria de ter um artista mestre que me propusesse experiências rigorosas no campo da arte. Diante dessa impossibilidade, elejo artistas e trabalho com eles através de seus escritos e proposições. 

As relações com o mercado são, é claro, um imperativo que por vezes atormenta. E nessa relação com o mercado econômico configuram-se também as relações familiares próximas nas cobranças.

 

7) Escreva aqui, tudo junto e misturado, referências direta ou indiretamente ligadas a sua proposição cênica (inspirações, influências, interferências pontuais, etc...).

Talvez minha maior referência para o que estou disposta a confeccionar cenicamente, deixando claro que não sei bem do que se trata, seja meu processo de trabalho ultimo.

 

8) Se tiver mais alguma coisa que você acha importante dizer, diga.

Algo relativo aos animais: penso sobre minha experiência com galinhas: Geneci, Giselda. Observando as galinhas da “Mercearia Kelly” me lembro de casa, das plantas e dos animais. A espera da todos eles é inteiramente singular. Aqui as galinhas tão apertadinhas, perto de tamanho barulho, destinam-se a piscar lentamente os olhos. Rememorei e senti vontade de escrever. Ativei minha memória de escrita e pensei como seria diferente minha existência se em algum momento não houvesse adentrado a experiência da escrituração. Talvez dançasse mais, tivesse mais energia se não me deparasse com a espera do escrever. A necessidade de esperar. Creio que a questão da espera, da qual falo à cima, tenha muito a ver com certo caráter da escrita. Talvez esteja interessada na escuta, mas parece que apenas sou capaz de escutar certas coisas e não outras. E isso tem muito a ver com minha expansão espaço-temporal, ou com minhas vivências.

 

9) Se quiser, nos faça perguntas.

 

Raíssa Ralola

 

 

 

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